quarta-feira, 10 de setembro de 2014

QUESTÃO 10 - ENADE COMENTADO - A assimilação regressiva de nasalidade - Autora: Cláudia Regina Brescancini

QUESTÃO 10
“Roráima” ou “Rorâima”, como você preferir. É que, segundo os linguistas, as regras fônicas de
uma palavra são regidas pela língua falada. Portanto, não há certo ou errado. Há apenas a maneira
como as pessoas falam. O que se observa na língua portuguesa falada no Brasil é que sílabas tônicas
que vêm antes de consoantes nasalizadas (como “m” ou “n”) também se nasalizam (aperte o seu nariz
e repita a palavra cama. Sentiu os ossinhos vibrarem? É a tal nasalização). Por isso, a gente diz “cãma”
–– o “ca” é a sílaba tônica e o “m” é nasalizado. Se a sílaba que vier antes dessa mesma consoante
não for uma sílaba tônica, a pronúncia passa a ser opcional: você escolhe –– “bánana” ou “bãnana”.
No caso de Roraima, a sílaba problemática (“ra”) é tônica e vem antes do “m”. Mas aí entra em cena o
“i”, que acaba com qualquer regra. A mesma coisa acontece com o nome próprio Jaime: tem gente que
nasaliza, tem gente que não. Então, fique tranquilo: se você sempre falou “Rorâima”, siga em frente
–– ninguém pode corrigi-lo por isso. No máximo, você vai pagar de turista se resolver dar umas voltas
por lá –– os moradores do estado, não adianta, são unânimes em falar “Roráima”.
Disponível em: .
Acesso em: 12 ago. 2011 (com adaptações)
A leitura do texto nos remete à discussão sobre a pronúncia em português de palavras externas
à nossa língua (Roraima tem origem indígena). Para Mattoso Câmara Jr, a nasalização da pronúncia
é um processo previsível na língua e definido como assimilação, ou seja, a extensão de um ou vários
movimentos articulatórios além de seus domínios originários. É o caso de uma sílaba oral que se
determina pela assimilação da sílaba nasal seguinte.
A partir das informações apresentadas, avalie as afirmações que se seguem:
I. A palavra Roraima manteve-se inalterada na pronúncia ao ser usada no português e
apresenta a sua forma original (indígena) ao ser falada em nossa língua.
II. A palavra Roraima sofre alteração da pronúncia em razão de um processo de
assimilação regressiva em que a sílaba posterior contamina de nasalidade a anterior,
como em cama, lama, banana no português.
III. A palavra Roraima, em decorrência da etimologia, assume dupla possibilidade
de pronúncia por motivos parecidos com o de outras palavras estrangeiras que
ingressam no português.
IV. A palavra Roraima é um substantivo próprio e, de acordo com a gramática, deve ser
pronunciada exatamente igual à sua pronúncia na língua de origem.
É correto apenas o que se afirma em:

A. I.
B. II.
C. IV.
D. I e III.
E. II e III.

* Gabarito: E
* Tipo de questão: Escolha combinada (afirmativas II e III corretas)
* Conteúdos avaliados: Fonologia e Sociolinguística
* Autora: Cláudia Regina Brescancini
Comentário:
A questão 10, corretamente respondida pela alternativa E, aborda um dos processos de
assimilação em língua portuguesa, a saber, o de nasalidade. Entende-se por assimilação o processo
pelo qual um segmento assume propriedades articulatórias do segmento que o precede (assimilação
progressiva) ou que o segue (assimilação regressiva).
No português brasileiro, a assimilação regressiva de nasalidade refere-se ao processo em que
a vogal é nasalizada quando seguida de uma consoante nasal, isto é, a característica de nasalidade
da consoante – que articulatoriamente se define pela passagem da corrente de ar pela cavidade nasal
e saída pelas fossas nasais – é “copiada” pela vogal precedente a essa consoante. Em palavras como
cama, lama, cana, pano, banha, em que a vogal precedente à consoante nasal é tônica, não se espera
variação entre os falantes nativos de nossa língua: a pronúncia da vogal tônica é nasalizada. No entanto,
quando a vogal que antecede a consoante nasal for átona, a assimilação regressiva de nasalidade
torna-se variável, ou seja, tanto a produção oral quanto a produção nasalizada são possíveis, como se
observa em c[a]melo ou c[ã]melo; c[a]minhão ou c[ã]minhão; b[a]nana ou b[ã]nana.
A palavra em foco na questão, Roraima, um nome próprio de origem indígena, apresenta
variação quanto à produção de sua vogal tônica (cf. Ror[ai]ma ou Ror[ãi]ma). Enquanto alguns
falantes aplicam a regra geral acima exposta, que prevê sempre a produção nasalizada (Ror[ãi]ma),
outros não realizam a assimilação regressiva, produzindo a vogal oral (Ror[ai]ma). Daí se conclui
que estão corretas as afirmações II e III da questão.
A presença da vogal “i” entre a vogal tônica e a consoante nasal nesse item lexical, também presente
no nome próprio Jaime (J[ai]me ou J[ãi]me), só poderia ser apontada, conforme o texto introdutório da
questão, como responsável por “acabar com qualquer regra” se verificássemos que essa variação também
está presente em outros itens lexicais que apresentam o mesmo padrão silábico em posição tônica verificado
no item Roraima, como Elaine, paina, andaime, andaina etc.
A afirmação I é negada pelas próprias informações oferecidas pelo texto, segundo as quais,
no Brasil, as duas produções, oral e nasalizada, da vogal tônica da palavra Roraima são possíveis.
A afirmação IV, por sua vez, também pode ser negada pelo texto inicial da questão, segundo o qual
“as regras fônicas de uma palavra são regidas pela língua falada”, de acordo com os linguistas.
Desse modo, a prescrição não poderá impedir que, na fala, regras fônicas atuem sobre itens lexicais
oriundos de outras línguas.

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