quarta-feira, 25 de março de 2015

Seis poemas de Herberto Helder


Seis poemas de Herberto Helder

O coordenador editorial da Assírio & Alvim, Vasco David', e os críticos do PÚBLICO António Guerreiro e Hugo Pinto Santos escolheram seis poemas de Herberto Helder. A edição utilizada foi, em todos os casos, a compilação Poemas Completos (Porto Editora, 2014).



AOS AMIGOS

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
— Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
de Lugar (Escolha de Vasco David’)



alguém salgado porventura
te
toca
entre as omoplatas,
alguém algures sopra quente nos ouvidos,
e te apressa, enquanto corres
algumas braças acima
do chão fluido, leva-te a luz e subleva,
tão aturdidos dedos e sopros,
até ao recôndito,
alguma vez te tocaram nas têmporas e nos testículos, alto,
baixo,
com mais mão de sangue e abrasadura,
e te cruzaram nesse furor,
e criaram, com bafo
ardido, ásperos sais nos dedos, e te levaram,
a luz corrente lavrando o mundo,
cerrado e duro e doloroso, acaso
sabias
a que domínios e plenitudes idiomáticas
de íngremes ritmos, que buraco negro,
na labareda radioactiva,
bic cristal preta onde atrás raia às vezes
um pouco de urânio escrito
de A Faca não Corta o Fogo (Escolha de Vasco David’)

BICICLETA

Lá vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais —
lá vai o poeta em direcção aos seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.
O sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e des
aparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.
De pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano, a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata como os outros animais.
Se a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa. Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à pata como os outros animais.
Se o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata nos pedais para um verão interior.
de Cinco Canções Lunares (Escolha de Hugo Pinto Santos)


que eu aprenda tudo desde a morte,
mas não me chamem por um nome nem pelo uso das coisas,
colher, roupa, caneta,
roupa intensa com a respiração dentro dela,
e a tua mão sangra na minha,
brilha inteira se um pouco da minha mão sangra e brilha,
no toque entre os olhos,
na boca,
na rescrita de cada coisa já escrita nas entrelinhas das coisas,
fiat cantus! e faça-se o canto esdrúxulo que regula a terra,
o canto comum-de-dois,
o inexaurível,
o quanto se trabalha para que a noite apareça,
e à noite se vê a luz que desaparece na mesa,
chama-me pelo teu nome, troca-me,
toca-me
na boca sem idioma,
já te não chamaste nunca,
já estás pronta,
já és toda
de A Faca não Corta o Fogo (Escolha de Hugo Pinto Santos)


li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios,
quando alguém morria perguntavam apenas:
tinha paixão?
quando alguém morre também eu quero saber da qualidade da sua paixão:
se tinha paixão pelas coisas gerais,
água,
música,
pelo talento de algumas palavras para se moverem no caos,
pelo corpo salvo dos seus precipícios com destino à glória,
paixão pela paixão,
tinha?
e então indago de mim se eu próprio tenho paixão,
se posso morrer gregamente,
que paixão?
os grandes animais selvagens extinguem-se na terra,
os grandes poemas desaparecem nas grandes línguas que desaparecem,
homens e mulheres perdem a aura
na usura,
na política,
no comércio,
na indústria,
dedos conexos, há dedos que se inspiram nos objectos à espera,
trémulos objectos entrando e saindo
dos dez tão poucos dedos para tantos
objectos do mundo
¿e o que há assim no mundo que responda à pergunta grega,
pode manter-se a paixão com fruta comida ainda viva,
e fazer depois com sal grosso uma canção curtida pelas cicatrizes,
palavra soprada a que forno com que fôlego,
que alguém perguntasse: tinha paixão?
afastem de mim a pimenta-do-reino, o gengibre, o cravo-da-índia,
ponham muito alto a música e que eu dance,
fluido, infindável,
apanhado por toda a luz antiga e moderna,
os cegos, os temperados, ah não, que ao menos me encontrasse a 
paixão e eu me perdesse nela,
a paixão grega
de A Faca não Corta o Fogo (Escolha de António Guerreiro)

cheirava mal, a morto, até me purificarem pelo fogo,
e alguém pegou nas cinzas e deitou-as na retrete e puxou o autoclismo,
requiescat in pace,
e eu não descanso em paz nas retretes terrestres,
a água puxaram-na talvez para inspirar o epitáfio,
como quem diz:
aqui vai mais um poeta antigo, já defunto, é certo, mas em vernáculo
e tudo,
que Deus, ou o equívoco dos peixes, ou a ressaca,
o receba como ambrosia sutilíssima nas profundas dos esgotos,
merda perpétua,
e fique enfim liberto do peso e agrura do seu nome:
vita nuova para este rouxinol dos desvãos do mundo,
passarão a quem aos poucos foi falhando o sopro
até a noite desfazer o canto,
errático canto e errado no coração da garganta,
canto que o traspassava pela metade das músicas
— e ao toque no autoclismo ascendia a golfada de merda enquanto as turvas águas últimas
se misturavam com as águas primeiras
de Servidões (Escolha de António Guerreiro)

Orpheu: “O primeiro grito moderno que se deu em Portugal” LUÍS MIGUEL QUEIRÓS 24/03/2015 - 07:10


Orpheu: “O primeiro grito moderno que se deu em Portugal”

Comemora-se hoje o centenário de Orpheu, cujo primeiro número terá saído da gráfica no dia 24 de Março de 1915. Como um grupo de rapazes de vinte e poucos anos, liderado por Pessoa e Sá-Carneiro, lançou o modernismo em Portugal e mudou para sempre a paisagem cultural e literária do país.



“Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!// Hup lá, hup lá, hup-la-hô, hup-lá!/ Hé-há! Hé-hô! Ho-o-o-o-o!/ Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!// Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”. Estes versos finais dum poema intitulado Ode Triunfal, assinado por um tal Álvaro de Campos, fechavam o primeiro número da revista Orpheu, que há exactamente cem anos, no dia 24 de Março de 1915, saía dos prelos para escandalizar os meios culturais portugueses.
Todos sabemos hoje que Orpheu foi o primeiro grande momento de afirmação das vanguardas modernistas em Portugal e não é exagero afirmar que as réplicas desse já longínquo terramoto de 1915 se fazem sentir até aos nossos dias. Mas quando a revista saiu, se não passou de todo despercebida, também não se pode dizer que tenha sido propriamente saudada como o decisivo marco literário e cultural que efectivamente foi. “Literatura de manicómio”, chamou-lhe A Capital no título de um dos muitos artigos de crítica mais ou menos galhofeira que assinalaram na imprensa o nascimento de Orpheu.
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, sem os quais Orpheu não teria passado de uma curiosidade cujo centenário ninguém se lembraria hoje de comemorar, teriam de esperar uma dúzia de anos até que a geração de autores reunida em torno da revista presença reconhecesse o seu génio e procurasse divulgar o contributo decisivo dessa primeira geração modernista.
Tendo sido a mais icónica revista literária portuguesa de todo o século XX, e seguramente a que exerceu uma influência mais duradoura, Orpheu foi também uma publicação efémera, com apenas dois números publicados no primeiro semestre de 1915. O terceiro, já em provas tipográficas, não saiu por falta de financiamento – tornou-se inviável continuar a recorrer ao mecenato bastante involuntário do pai de Mário de Sá-Carneiro –, e só veio a ser publicado em meados dos anos 80, num fac-símile da prova tipográfica, com a chancela da Nova Renascença, e numa edição organizada por Arnaldo Saraiva para a Ática.
Segundo informa José Barreto num artigo publicado no recém-lançado volume colectivo 1915 – O Ano de Orpheu, organizado por Steffen Dix e editado pela Tinta da China, a primeira das várias notícias que assinalaram o lançamento do número inaugural de Orpheu terá saído no dia 27 de Março, no jornal O Mundo. Até ao final da tarde do dia anterior, diz ainda Barreto, tinham-se vendido apenas 17 exemplares. Apesar deste arranque pouco auspicioso, duas ou três semanas depois a edição estava praticamente esgotada. Tudo indica, pois, que a insistência dos jornais em sugerir que os autores de Orpheu não destoariam entre os loucos internados no manicómio de Rilhafoles terá dado uma ajuda preciosa às vendas, confirmando a cínica máxima de que publicidade negativa é uma contradição nos termos.
Doidos com pedigree
O escândalo provocado por Orpheu não surpreende. Basta dar uma vista de olhos pela poesia que se publicava ao tempo em Portugal para se perceber que, pese embora a qualidade de poetas como Teixeira de Pascoaes ou Afonso Duarte, para citar apenas dois, os meios literários da época, submersos no saudosismo ou no lusitanismo, não estavam preparados para algo tão cataclísmico como a Ode Triunfal.
Nem sequer os poucos livros já então publicados por alguns dos colaboradores de Orpheu, como Distância (1914), de Alfredo Guisado, Luz Gloriosa (1913), do co-director brasileiro do primeiro número, Ronald de Carvalho, ou, no limite, mesmo Dispersão (1914), de Mário de Sá-Carneiro, prenunciavam o frenesi vanguardista de Álvaro de Campos: “(…) Ó tramways, funiculares, metropolitanos,/ Roçai-vos por mim até ao espasmo!/ Hilla! hilla! hilla-hô!/ Dai-me gargalhadas em plena cara,/ Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas (…)”.
No já referido artigo d’A Capital, lia-se: “O que se conclui da leitura dos chamados poemas subscritos por Mário de Sá-Carneiro, Ronald de Carvalho, Álvaro de Campos e outros é que eles pertencem a uma categoria de indivíduos que a ciência definiu e classificou dentro dos manicómios, mas que podem sem maior perigo andar fora deles”. Talvez o jornalista estivesse a ser um pouco injusto ao irmanar os três autores no mesmo insulto, já que em matéria de sinais exteriores de vanguardismo (mas em Pessoa e Sá-Carneiro o próprio vanguardismo foi sempre sinal exterior de rupturas de outra ordem, mais fundas e irremediáveis), nada neste primeiro número de Orpheu é rigorosamente comparável à Ode Triunfal. Nem mesmo alguns versos mais alucinados de Sá-Carneiro, como os que fecham o notável poema 16: “As mesas do Café endoideceram feitas ar.../ Caiu-me agora um braço... Olha, lá vai ele a valsar/ Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei...// (Subo por mim acima como por uma escada de corda,/ E a minha Ânsia é um trapézio escangalhado...)”.
Se os críticos da época viram indícios generalizados de destrambelhamento no número inaugural da revista, o segundo, publicado no final de Junho de 1915, parece ter sido concebido para lhes confirmar essa impressão: dos poemas inéditos de Ângelo de Lima à “novela vertígica” Atelier, de Raul Leal, das provocações textuais e gráficas de Manucure, de Sá-Carneiro, com as suas linhas a ondular na página, à extensa e extraordinária Ode Marítima de Pessoa, com os seus delírios masoquistas hard core, sem esquecer, naturalmente, as reproduções hors texte das pinturas futuristas de Santa-Rita Pintor. 
E pelo que hoje é possível deduzir de documentos encontrados no espólio pessoano e dos testemunhos posteriores de alguns “órficos”, parece claro que Pessoa e Sá-Carneiro, que, após a saída do primeiro número, substituíram Montalvor e Ronald de Carvalho na direcção da revista, quiseram deliberadamente subir a parada. “Se é certo que Pessoa e Sá-Carneiro realmente gostavam da poesia de Ângelo de Lima, o facto de ser um louco certificado, residente no Manicómio Miguel Bombarda desde 1902, só podia valorizá-lo”, defende Richard Zenith na introdução que escreveu para o catálogo da exposição Os Caminhos de Orpheu, que abre esta terça-feira na Biblioteca Nacional. E conclui com humor: “Visto que a imprensa insistira tanto na insânia de Orpheu 1, foram arranjar alguns doidos com pedigree”.
Apostada em espantar a burguesia letrada de Lisboa, a dupla de conspiradores chegou a ponderar incluir, no Orpheu 3, umas Pilhérias em francês de um Numa de Figueiredo, e umas Pederastias de um tal António Bossa, que Sá-Carneiro comentava não poderem ser piores do que a colaboração de Raul Leal em Orpheu 2. Amigo de Pessoa, Numa de Figueiredo era um negro nascido em Angola que se formara em Letras em Lisboa, explica Zenith, citando uma carta de Sá-Carneiro em que este insiste na publicação das Pilhérias, argumentando que a revista iria assim bater “o recorde do cosmopolitismo: preto português escrevendo em francês”.
Uma teia de acasos
Se exceptuarmos o criador da capa, José Pacheco (1885-1934), o mais velho dos autores do primeiro número de Orpheu 1 era o próprio Fernando Pessoa, que em Março de 1915 tinha 26 anos. Sá-Carneiro, Luís de Montalvor e Armando Côrtes-Rodrigues tinham 24, Alfredo Guisado tinha 23, Ronald de Carvalho apenas 22, e Almada Negreiros, o mais novo, tinha ainda 21. Com méritos certamente bastante desiguais, é a este grupo de rapazes (os “putos” de Orpheu, como já seriam referidos na época) que cabe a honra histórica de ter lançado o modernismo em Portugal. “É que Orpheu, meus senhores, foi o primeiro grito moderno que se deu em Portugal”, escreverá Almada Negreiros no Diário de Lisboa, em Março de 1935, num texto em que evoca os 20 anos da revista, quando Sá-Carneiro já morrera há muito e a Pessoa restavam poucos meses de vida.
É difícil seleccionar os factos mais pertinentes da génese de Orpheu, que, apesar da deliberação com que a dado momento o projecto foi discutido, concebido e lançado, nasceu, como geralmente acontece, de um emaranhado de circunstâncias e acasos. Em 1911, ainda antes de se cruzar com Sá-Carneiro, que só conhecerá no ano seguinte, Pessoa sonha já com uma revista a que pensa dar o título de Lusitânia, um projecto que evoluirá para uma revista assumidamente sensacionista, esta já planeada com Sá-Carneiro, e que, sintomaticamente, deverá afinal chamar-se Europa. E que acabará finalmente por se metamorfosear em Orpheu, um nome proposto por Luís de Montalvor, que regressara do Brasil no início de 1915 com o seu próprio projecto de revista.
Com a eclosão da I Guerra, tinham também regressado de Paris, além do próprio Sá-Carneiro, que ali contactara com as vanguardas europeias da época, artistas como José Pacheco, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza Cardoso (que deveria participar no Orpheu 3), o que ajuda também a explicar a atenção que Orpheu dará às artes plásticas.
Num documento que Richard Zenith seleccionou para a exposição Os Caminhos de Orpheu, Fernando Pessoa escreve a propósito de Orpheu: “Nunca em Portugal tinha aparecido uma corrente literária que mostrasse originalidade, não relativa, senão absoluta; isto é, que excedesse as correntes literárias contemporâneas dos outros países”. E Zenith dá-lhe alguma razão, argumentando que nenhuma das vanguardas europeias da época – do futurismo, por muito influente que tenha sido, passando pelo movimento vorticista lançado pela revista inglesa Blast (1914-1915), onde colaboraram Ezra Pound e T. S. Eliot, até ao mais tardio ultraísmo espanhol – conseguiu, como Orpheu, “revolucionar” de facto uma “literatura nacional”.
Reconhecendo que “a relativa exiguidade do espaço cultural português e o seu maior conservadorismo foram decisivos para que Orpheu causasse tamanha perturbação”, Zenith observa, no entanto, que “não devemos subestimar a potência e originalidade da dupla força impulsionadora deste movimento: Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro”. De facto, e para lá de tudo o resto, talvez seja possível ver também em Orpheu o objecto em que mais perfeitamente se materializou o encontro único desses dois espíritos tão diferentes e tão improvavelmente sintonizados.
O falso heterónimo
Já há 60 anos, num artigo originalmente publicado em 1955 na publicação Tetracórnio, Eduardo Lourenço escreve que “Orpheu não se tornou um mito apenas para nós, admiradores tardios”, mas que “essa revista de dois números foi um mito igualmente para os mais lúcidos dos seus colaboradores – quer dizer, alguma coisa onde estavam mais do que estavam, alguma coisa que não só o nosso futuro mas o deles mesmos nunca mais exprimiria nem alcançaria”. E o ensaísta acrescenta que nenhuma das posteriores revistas em que a mesma geração iria envolver-se nos anos seguintes – Portugal FuturistaContemporâneaAthena – “encheria”, comoOrpheu, “a alma vazia de Fernando Pessoa”.
Prova disso foram as suas persistentes tentativas de fazer sair o Orpheu 3, mesmo após a morte, em 1916, de Sá-Carneiro, cujos Poemas de Paris, reunindo obras-primas como as Sete Canções de DeclínioSerradura ou O Lord, iriam constituir um dos momentos altos da revista, a par dos poemasGládio e Além-Deus, do Pessoa ortónimo. Almada, já expressamente revestido da dignidade de “Poeta Sensacionista e Narciso do Egipto”, colaboraria com A Cena do Ódio, e juntar-se-lhes-ia uma meia dúzia de autores que não tinha participado nos números anteriores, incluindo Augusto Ferreira Gomes ou D. Tomás de Almeida.
O mais interessante de todos, a vários títulos, é C. Pacheco, autor do longo poema Para Além Doutro Oceano, que durante largas décadas passou por ter sido escrito pelo próprio Pessoa, de quem o dito Pacheco seria um ocasional heterónimo, e que está compilado em várias edições da obra poética pessoana. Afinal, C. Pacheco era José de Jesus Coelho Pacheco, um poeta de carne e osso, pelo menos nas horas vagas, já que nas outras dirigia um standde automóveis que possuía em Lisboa. O equívoco só foi definitivamente deslindado em 2011, num artigo publicado no Jornal de Letras por Teresa Rita Lopes, a quem uma neta de Coelho Pacheco, Ana Rita Palmeirim, apareceu um dia com o manuscrito de Para Além Doutro Oceano.
Num texto que agora escreveu para o catálogo da exposição da BN, divertidamente intitulado C. Pacheco: história de um ex-heterónimo, Ana Rita Palmeirim, conta Zenith, especula que o avô, que importava carros da marca Chevrolet, possa estar na origem de um dos mais célebres poemas de Álvaro Campos. Quem sabe se não era C. Pacheco, com Pessoa/Campos ao lado, quem de facto ia “ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,/ Ao luar e ao sonho, na estrada deserta (…)”. 

Faleceu hoje, em Portugal, aos 84 anos de idade, o poeta Herberto Helder, por muitos comparado ao próprio Fernando Pessoa. 23/3/2015

Faleceu hoje, em Portugal, aos 84 anos de idade, o poeta Herberto Helder, por muitos comparado ao próprio Fernando Pessoa. 

Fora também, ao longo da carreira,  jornalista, editor e redator publicitário.
Eis um de seus poemas:

A Bicicleta pela Lua Dentro – Mãe, Mãe

A bicicleta pela lua dentro – mãe, mãe –
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha –
mãe, mãe – as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro – mãe – com as suas praças
descascadas.A neve sobre os frutos – filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto – meu filho – os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
minha mãe, minha máquina –
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
limpo como um alfabeto. E as praças
dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.
As estátuas, de polvos na cabeça,
florescem com mercúrio.
Mãe — é o teu enxofre do mês de novembro,
é a neve avançando na sua bicicleta.O alfabeto, a lua.Começo a lembrar-me: eu peguei na paisagem.
Era pesada, ao colo, cheia de neve.
la dizendo o teu nome de janeiro.
Enxofre — mãe — era o teu nome.
As letras cresciam em torno da terra,
as telhas vergavam ao peso
do que me lembro. Começo a lembrar-me:
era o atum negro do teu nome,
nos meus braços como neve de janeiro.
Novembro — meu filho — quando se atira a flecha,
e as praças se descascam,
e os satélites avançam,
e na lua floresce o enxofre. Pegaste na paisagem
(eu vi): era pesada.
O meu nome, o alfabeto, enchia-a de laranjas.
Laranjas de pedra – mãe. Resplendentes,
estátuas negras no teu nome,
no meu colo.
Era a neve que nunca mais acabava.
Começo a lembrar-me: a bicicleta
vergava ao peso desse grande atum negro.
A praça descascava-se.
E eis o teu nome resplendente com as letras
ao contrário, sonhando
dentro de mim sem nunca mais acabar.
Eu vi. Os aviões abriam-se quando a lua
batia pelo ar fora.
Falávamos baixo. Os teus braços estavam cheios
do meu nome negro, e nunca mais
acabava de nevar.
Era novembro.
Janeiro: começo a lembrar-me. O mercúrio
crescendo com toda a força em volta
da terra. Mãe – se morreste, porque fazes
tanta força com os pés contra o teu nome,
no meu colo?
Eu ia lembrar-me: os satélites todos
resplendentes na praça. Era a neve.
Era o tempo descascado
sonhando com tanto peso no meu colo.
Ó mãe, atum negro —
ao contrário, ao contrário, com tanta força.
Era tudo uma máquina com as letras
lá dentro. E eu vinha cantando
com a minha paisagem negra pela neve.
E isso não acabava nunca mais pelo tempo
fora. Começo a lembrar-me.
Esqueci-te as barbatanas, teus olhos
de peixe, tua coluna
vertebral de peixe, tuas escamas. E vinha
cantando na neve que nunca mais
acabava.
O teu nome negro com tanta força —
minha mãe.
Os satélites e as praças. E novembro
avançando em janeiro com seus frutos
destelhados ao colo. As
estátuas, e eu sonhando, sonhando.
Ao contrário tão morta — minha mãe —
com tanta força, e nunca
— mãe — nunca mais acabava pelo tempo fora.
Herberto Helder, in ‘Poemas Completos’

Arquivos literários da Fundação Casa de Rui Barbosa

Arquivos literários da Fundação Casa de Rui BarbosaPortal Fundação Casa de Rui Barbosa
O Arquivo-Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa tem como objetivo preservar a memória literária de nosso país. Seu acervo reúne 130 arquivos privados de escritores brasileiros e uma coleção de documentos avulsos.
Para facilitar o acesso a esses arquivos, estão sendo paulatinamente organizados esses sites informativos, que detalham seu conteúdo e apresentam informações biográficas e bibliográficas sobre os autores.
As referências sobre documentos e os dossiês podem ser consultados na base de dados Arquivos pessoais de escritores brasileiros. E as informações sobre o conteúdo de cada arquivo, na base de dados Guia de fundos e coleções. Pode-se também consultar os documentos na sede da Fundação, mediante agendamento.
Arquivos pessoais de escritores brasileiros - Fundação Casa de Rui BarbosaRibeiro CoutoManuel BandeiraClarice LispectorGonzaga Duque
 Augusto Meyer
 Clarice Lispector
 Gonzaga Duque
 Lúcio Cardoso
 Manuel Bandeira
 Nestor Vitor
 Ribeiro Couto
 Thiers Moreira

terça-feira, 24 de março de 2015

EDITAL E FICHA DE INSCRIÇÃO PARA MONITORIA DA SEMANA DE LETRAS 2015

FACULDADES INTEGRADAS CAMPO-GRANDENSES
COORDENAÇÃO DO CURSO DE LETRAS
NÚCLEO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM POETA PRIMITIVO PAES
XXIV SEMANA DE LETRAS
LÍNGUA E LITERATURA: COMUNICAÇÃO, MÍDIA E REDES SOCIAIS.
DIAS 26, 27, 28 DE MAIO DE 2015.
TURNOS – MANHÃ E NOITE


EDITAL PARA MONITORIA DA SEMANA DE LETRAS 2015


1.       OBJETIVOS – Selecionar entre os quadros de alunos pertencentes ao Curso de Letras das FIC (a partir do 2º período), nas habilitações de Português-Inglês, Português-Espanhol e Português-Literatura (nos turnos da manhã e da noite), pessoas dispostas a atuar como monitores na organização, produção, divulgação, recepção e fiscalização do cumprimento das obrigatoriedades relacionadas aos compromissos dos alunos inscritos como ouvintes para o evento.

2.       JUSTIFICATIVA – Proporcionar a interação entre os discentes e as práticas relacionadas à  realização de um evento tradicional em nossa Instituição; sua aproximação com possíveis temas de pesquisa, o conhecimento de profissionais e teorias ligados às habilitações do Curso de Letras e a valorização da prática da pesquisa através da apresentação de seus resultados à comunidade acadêmica pelos professores e/ou realizando projetos e atividades sob orientação científica e didático-pedagógica de seus orientadores.

3.       METODOLOGIA – Supervisão setorizada direcionada e treinamento referente ao desenvolvimento das atribuições necessárias à realização da Semana de Letras, a partir das determinações e diretrizes da  Coordenação do Curso de Letras, da equipe de Coordenação do Núcleo de Estudos da Linguagem Poeta Primitivo Paes e dos eventuais membros da Comissão de Organização do evento a cada nova edição.

4.       REQUISITOS – Serão observados os seguintes requisitos:  

a)      Estar regularmente matriculado (a) no Curso de Letras da Instituição em quaisquer das três habilitações, a partir do 2º período nos turnos da manhã ou da noite;
b)      Possuir disponibilidade para desempenhar as funções solicitadas em, pelo menos, um dos turnos do evento, sem faltas, com regularidade, pontualidade, empenho, comprometimento e proatividade, valorizando o nome do Curso, da Instituição e os eventuais participantes, convidados e ouvintes inscritos para a Semana de Letras;
c)       Predisposição em desenvolver um trabalho em equipe sob a supervisão e/ou com a colaboração dos professores responsáveis, membros da Comissão, do Núcleo e da Coordenação do Curso antes (divulgação e organização), durante (execução e acompanhamento das atividades) e depois (apuração das avaliações, guarda de documentação e encerramento das atividades) da realização da Semana de Letras;
d)       Preencher a ficha constante do edital, tomando ciência das cláusulas e das datas de apresentação para entrevistas e demais atendimentos aos trâmites do edital e à realização do evento;
e)      Comprometer-se com uma postura ética e equilibrada que valorize e contribua para o bom desempenho das atividades da Semana de Letras, impedindo ou buscando amenizar a possibilidade de que fatores externos, organizacionais, estruturais e/ou imprevistos comprometam a adequada realização de quaisquer atividades.
f)       Dirigir-se com cortesia e polidez aos demais monitores, alunos das FIC, convidados, inscritos de outras instituições e/ou quaisquer indivíduos que transitem e/ou estejam relacionados ao evento;
g)      Buscar resolver e/ou procurar auxílio para dirimir quaisquer dúvidas ou problemas que possam dificultar, atrapalhar ou impedir a adequada realização de quaisquer atividades da Semana de Letras;
h)      Incentivar e valorizar todas as atividades, contribuindo para que haja uma avaliação positiva por parte dos inscritos e participantes em geral, não apenas em relação ao evento, mas em relação à própria Instituição;
i)        Assinar as atas de entrada e saída de monitoria, cuidar e acompanhar o adequado preenchimento e/ou validação de ingresso e saída de cada atividade, o manuseio dos equipamentos das salas e dos espaços e interferir positivamente para que a identificação dos inscritos seja procedida da forma mais rápida e eficiente possível;
j)        Acompanhar diligentemente o início e o término previsto para cada atividade, impedindo atrasos e/ou prolongamentos que interfiram no cronograma do evento;
k)      Informar-se e/ou manter o público e os demais participantes informados sobre eventuais remanejamentos de horários e/ou espaços; bem como de eventuais cancelamentos e atrasos de atividades.
l)        Permanecer em atenção na antecedência de cada atividade, circular pelo espaço em auxilio ao palestrante e/ou convidados, quando necessário e, sempre que possível, dedicar-se à apreciação das atividades às quais encarregar-se de monitorar, em revezamento com os demais monitores.

5.       CONTRAPARTIDAS – Os discentes receberão os seguintes estímulos à sua participação:
a)      Certificado de monitoria com carga horária de atividade extracurricular correspondente: a.1) Turno da manhã ou da noite: 20 horas de atividade - (03 dias ou 03 noites);
a.2) Dois turnos: 40 horas de atividade -  (03 dias e 03 noites).
b) Isenção do pagamento da taxa de inscrição para o turno no qual atuar como monitor;
c) Possibilidade de apresentar trabalhos, desde que não interfira nem seja conflitante com o desempenho da monitoria nem ultrapasse um tempo razoável para a realização das funções de monitor;
d) Atuação e experiência direta na organização de evento acadêmico.






6.       CRONOGRAMA – O Cronograma para a seleção se dará:
As inscrições deverão ser feitas na Sala do NEL – Núcleo de Estudos da Linguagem Poeta Primitivo Paes nos seguintes dias e horários:
20/3 e 27/3 – 17h às 19h (Caroline Reis)
24/301/408/4 – das 11h30min às 13h (Caroline Reis)
25/302/409/4 – em dois horários: 11h30min às 12h30min (Erivelto Reis)
                                                                              18h30min às 19h (Erivelto Reis)

7.       NÚMERO DE VAGAS – Eis o número de vagas disponibilizado:
a)      15 vagas para o turno da manhã;
b)      20 vagas para o turno da noite;

8.       RESULTADOS: Os resultados serão divulgados dia 10/4/2015 no blog do Núcleo, na página do Núcleo no Facebook e afixados no mural do Curso de Letras no pátio da Faculdade. Bem como os dias e os horários das reuniões preparatórias.

9.       DISPOSIÇÕES GERAIS – A seguir algumas considerações sobre o processo de inscrição e a seleção:
a)      A inscrição deverá ser feita somente pelo próprio proponente à vaga;
b)      Este deverá apresentar Ficha de Inscrição devidamente preenchida, com uma foto 3X4 recente e o questionário devidamente respondido;
c)       A Ficha e o questionário estarão disponíveis no endereço feucnel.blogspot.com
d)      O monitor que não cumprir ou não atender aos requisitos, omitir-se às suas atribuições e responsabilidades, portar-se de forma considerada inadequada, faltar às reuniões e/ou a qualquer dia do evento poderá ter sua inscrição para monitoria invalidada e não terá suas horas de atividades atribuídas;
e)      A seleção se dará pela observância aos prazos, disponibilidade dos candidatos, qualidade nas respostas, oferta por turno de atividade, ordem de inscrição, escolha da Comissão e/ou da Coordenação do Evento e valerá para a Semana de Letras do ano corrente, podendo o discente inscrever-se no processo de seleção seguinte, se desejar;
f)       Em havendo desistências, outros candidatos inscritos serão chamados;
g)      Em não havendo número de inscritos equivalentes à oferta de vagas, a Comissão convidará os discentes a participarem.




           COLE SUA
             FOTO AQUI
 
ANEXO

(  ) Apto para esta edição
(  ) Não apto para esta edição
 
FICHA DE INSCRIÇÃO


Nome Completo: ______________________________________________________________

Habilitação: (  ) Inglês  (  ) Espanhol  (  ) Literaturas                       

 Número da Matrícula:_______________________________

Turno em que estuda:  (  ) manhã  (  ) noite

Período: (  ) 2º                 (  ) 3º                    (  ) 4º                    (  ) 5º                    (  ) 6º                    (  ) 7º

E-mail: ___________________________________________________________________

Telefones: _____________________________________ Cel.:_________________________

Turno em que deseja ser monitor: (  ) Manhã  (  ) Noite              -               (  ) Manhã e Noite

Declara estar ciente do teor do presente edital e que o leu atentamente  (  ) Sim.


RESPONDA ÀS QUESTÕES A SEGUIR:


1   Por que deseja ser monitor da Semana de Letras?

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 Como a Semana de Letras pode contribuir para a sua formação acadêmica?
_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Rio de Janeiro,____________de _______________de ____________.




                                                                   Assinatura