Morre Antonio
Candido aos 98 anos
Crítico literário e intelectual foi pensador
fundamental do Brasil no século 20
Ubiratan Brasil, Guilherme Sobota, O
Estado de S. Paulo
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Maio 2017 | 09h44
Atualizado 12 Maio 2017 | 17h29
O crítico literário e
sociólogo Antonio Candido, dono de uma das obras mais fundamentais da
intelectualidade brasileira, morreu aos 98 anos.
Ele estava internado
no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, com problemas no intestino, de
acordo com Edla Van Steen. O velório será no próprio hospital (Av. Albert
Einstein, 627 - Morumbi, São Paulo), das 9h às 17h. O corpo será cremado no
sábado, 13, em uma cerimônia reservada à família. A pedido de Candido, suas
cinzas serão misturadas às de Gilda Mello e Souza (morta em 2005), o grande
amor de sua vida. Ele morreu à 1h40 desta sexta-feira, 12, em decorrência de
uma hérnia de hiato inoperável.
O ensaísta mantinha
fortes lembranças de Oswald (1890-1954) justamente por causa de sua
personalidade marcante. "Ele tinha traços de gênio: mesmo não sendo um
grande leitor, Oswald captava a essência dos assuntos e discursava como grande
entendedor."
A amizade entre eles começou depois de uma crise – o escritor não gostou
de uma crítica escrita por Candido sobre Marco Zero, romance de
1943. "O comunismo fez mal para ele, que passou a escrever uma literatura
mais engajada, longe da linguagem telegráfica que era seu melhor estilo", contou Candido. "Eu era
um jovem crítico, estava com 24 anos, e não aceitava aquele silêncio que
rondava a obra de Oswald, considerado um autor inatacável."
Passado o tempo, o
próprio Antonio Candido reconheceu o exagero de sua escrita, a ponto de
produzir um longo ensaio em que reconhecia o valor literário do autor. Foi o
suficiente para estabelecer uma amizade profunda e sincera, que resistiu até às
novas críticas de livros. O exercício, aliás,
era arriscado. Candido comentou que o crítico literário de sua época era
obrigado a lidar com nomes que, naquele momento, ainda eram desconhecidos.
"Certo dia, recebi um livro chamado Perto
do Coração Selvagem, assinado por Clarice Lispector. Pensei que fosse um
pseudônimo, porque isso não é nome de gente, Lispector. Eu não sabia quem era e
precisava dizer se o livro era bom ou era ruim. Ou seja, minha responsabilidade
como crítico era muito grande, pois lidava com autores como Murilo Mendes e
Carlos Drummond de Andrade, que ainda não tinham conquistado notoriedade. Tive
a sorte de viver um tempo de esplendor da literatura brasileira. Mas avaliações
erradas poderiam custar o emprego."
Candido lembrou que, em sua época, a crítica era
militante e alguns jornais tinham o chamado crítico titular. No seu caso, ele
era o do jornal Folha da Manhã, enquanto o do Estado era
Tobias Barreto. "O crítico titular tinha muito autoridade, porque
representava o jornal. Costumo dizer que a crítica literária daquele tempo era
uma atividade de alto risco."
Trabalhou na função
durante 24 anos e se orgulhava, por exemplo, de ter escrito o primeiro artigo
analítico sobre a obra de João Cabral de Melo Neto. "Ele não sabia disso.
Foi Drummond quem o informou."
Com o tempo, a função
de resenhista foi gradativamente assumida pelos teóricos de universidade, que
preferiam não correr risco. "Eles escreviam apenas sobre escritores já
mortos, com a obra consolidada, o que evitava julgamentos apressados se fosse o
caso de autores ainda vivos."
Para ele, a crítica
era essencialmente exercida por teóricos universitários. Candido dizia conhecer
a maioria, pois foram seus alunos, formando a "paróquia", como gosta
de ironizar. "Admiro muito as novas gerações de críticos, todos muito
eruditos", comentou, citando Roberto Schwarz e José Miguel Wisnik, entre
outros.
Exibindo uma
disposição invejável, a que atribui à boa genética, Antonio Candido reclamou,
no entanto, de fazer o trajeto entre São Paulo e Paraty. "Isso me ensinou
que não posso mais viajar de carro." Também lembrou que vivia
"encalhado" no passado, pois ainda utilizava uma máquina de escrever,
dispensando computador, celular e outros produtos da modernidade. Também
desconhecia o que se produz atualmente na literatura, preferindo a releitura de
clássicos. "Faz 20 anos que não leio nada de novo. Prefiro Dostoievski,
Proust, Eça de Queiroz."
Vida. Antonio Candido nasceu no dia 24 de julho de 1918,
no Rio de Janeiro, e depois de passar a infância nos limites entre Minas Gerais
e São Paulo, se estabeleceu na capital paulista em 1937. Ingressou e abandonou
a Faculdade de Direito da USP, para em 1942 se graduar em Filosofia.
Foi na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, no fim dos anos 1930, que encontrou o grupo que
ajudaria a formatar a intelectualidade paulistana por meio da crítica cultural.
Do Grupo Clima faziam parte, além de Candido, nomes como Decio de Almeida
Prado, Paulo Emilio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado, Ruy Galvão de Andrada
Coelho, Gilda de Mello e Souza, entre outros.
A marca fundamental
do Grupo Clima foi a modalidade intectual escolhida para o trabalho: a crítica
cultural, da literatura, ao cinema, ao teatro e às artes plásticas. Em contato
com professores franceses da USP, Candido e os colegas do Clima promoveram uma
renovação à ensaística brasileira, rompendo com a geração modernista
anterior - mais ligada à produção artística e doutrinação política.
Nos anos 1940, eles editam a Revista Clima,
que os insere de vez no cenário cultural paulistano e brasileiro. Na mesma
década, Candido também escreve regularmente para os jornais Folha da
Manhã e O Diário de São Paulo. Em 1945, se torna professor catedrático da
USP e publica seu primeiro livro, Introdução ao Método Crítico de
Sílvio Romero, sua tese de livre-docência.
Em 1954, conclui o doutorado em Ciências
Sociais, com a tese Os Parceiros do Rio Bonito, ensaio
sociológico e antropológico sobre o caipira paulista e sua transformação.
Dois anos depois, a convite de Julio de Mesquita
Filho, entrega o projeto do Suplemento Literário d'O Estado de S. Paulo,
que seria editado nos 10 anos seguintes por Decio de Almeida Prado. O Suplemento
Literário se tornou um dos grandes paradigmas do jornalismo cultural
no Brasil, fundamental para entender as relações entre o pensamento
universitário e a imprensa no País - relações que ajudou a estabelecer e modelar.
No projeto, Candido
previa a conciliação entre bom nível cultural e as exigências de informação
jornalística. "Serão atendidos os interesses tanto do leitor comum quanto
do leitor culto, devendo-se evitar que o Suplemento se dirija exclusivamente a
um ou a outro", escreveu.
Em depoimento no livro Suplemento
Literário, Que Falta Ele Faz!, de 2007, de Elizabeth Lorenzotti, a crítica
literária Leyla Perrone-Moysés resumiu o alcance do projeto: "Entre nós,
nunca mais a imprensa cultural atingiu aquele nível".
No número de abertura
do Suplemento, em 6 de outubro de 1956, Candido escreveu uma resenha
consagradora de Grande Sertão: Veredas. "Este romance é uma das obras mais
importantes da literatura brasileira - jato de força e beleza numa novelística
algo perplexa como é atualmente a nossa", relatou. O caderno circulou até
o dia a 22 de dezembro de 1974.
Formação da Literatura Brasileira (1959), livro de sua autoria,
é considerado até hoje a mais importante obra de crítica literária
contemporânea do país. Em dois volumes grandes, Candido forja uma revolução na
maneira de pensar a literatura brasileira e por tabela altera a interpretação
da própria sociedade nacional. Dono de uma prosa cristalina e elegante,
estabeleceu as bases para que a literatura brasileira passasse a conversar mais
diretamente com a produção cultural e a realidade do País.
Sua ideia era a de
que, basicamente, a literatura nacional fazia parte de um sistema mais amplo,
relacionado às culturas europeias, mas em busca de traços exclusivos. Há também
o pensamento claro de que a produção brasileira está atrás das grandes
literaturas universais, mas que, afinal, esse seria o único jeito possível de
exprimir um sentimento nacional.
Durante a década de
1960, Candido torna-se professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na
USP, dando aulas também na Universidade de Paris e na Universidade de Yale.
Aposentado da
universidade desde 1978, permanece atuando na pós-graduação e na orientação de
trabalhos acadêmicos, bem como no debate social, cultural e político do País.
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