Wellinton
não gosta de brincar!
Dorismar Coelho Couto
Aluno do 3º Período - História Noturno
Eu
o conheci numa tarde de sexta-feira, em que, sentado num dos bancos da pracinha
central aguardava o tempo passar, quando ele se aproximou e com voz firme e
quase cantante ofereceu-me seus bombons:
̶ Boa tarde, senhor. Gostaria de adquirir
deliciosos bombons caseiros, completamente recheados com brigadeiro e
conservados em baixa temperatura para não derreterem?
A
abordagem, técnica e quase engraçada, e por se tratar de um vendedor tão
pequeno, foi mais do que eficiente.
Saquei
da carteira e constatei que apenas possuía cédulas de valor mais alto. Antes
que eu lamentasse, Wellinton, exímio vendedor, ofereceu-se para trocar o
dinheiro na agência dos Correios, do outro lado da praça, caso eu não me
incomodasse em esperar “alguns instantes”.
Entreguei-lhe
o dinheiro. Ele depositou a recipiente onde acondicionava seus bombons ao meu
lado, no banco da praça. Insisti pra que ele não o fizesse, que podia levar
seus produtos:
̶
O Sr. confiou em mim e eu tenho que
mostrar que não vou fugir com seu dinheiro.
Quando
ele retornou comprei dois bombons e puxei conversa, interessado em saber mais
sobre ele.
Ele
ainda não fez dez anos e cursa o quarto ano numa escola pública de pequena
cidade do interior das Minas Gerais e sempre apanha dos outros meninos quando
tenta brincar.
Vende
bombons ou outros doces desde os quatro anos, ajudando a mãe, vendedora de
picolés, que por sinal já passara por nós, e nos observou à distância enquanto
conversamos.
A
mãe recomendou que ele se afastasse das crianças que lhe batiam. Que fugisse
quando o provocassem. Como todos os coleguinhas o agrediam, se afastou de
todos. Gosta de vender e sabe a importância de ajudar a mãe a “por coisas em
casa”.
No
início tinha “um pouco de raiva” de seus agressores, mas hoje ele os acha “uns
bobos que não sabem de nada”.
Ele
não gosta de brincar.
Ganha
setenta e cinco centavos por bombom que vende por dois reais.
O
seu sonho é ser o melhor vendedor da cidade (eu não tenho dúvida que ele já é).
Digo-lhe
que com estudo e dedicação ele pode ser qualquer coisa que quiser.
Ele
me olha fixamente e diz que tenho cara de escritor.
Conto-lhe
que escrevo muito, mas sou advogado.
̶
Todo mundo que faz coisa errada tem que
ser preso?
̶
O senhor já prendeu muita gente?
Procuro
explicar que não prendo ninguém, minha tarefa é libertar quem é preso
injustamente.
Indago-lhe
sobre o pai, o que ele faz.
̶
Meu pai está no Rio de Janeiro e não faz
nada. Não gosto de falar sobre isto.
Wellinton
está emocionado, olhos cheios d’água.
O
pai cumpre pena por tráfico de drogas, soube mais tarde por sua mãe.
Mudamos
de assunto e ele diz que seria legal ser astronauta. Deixo que ele descreva
como imagina conhecer novos planetas, “dirigir” uma nave espacial.
Ele
me pede desculpas, mas tem que continuar suas vendas porque ainda tem que fazer
pelo menos mais quatro reais de lucro para comprar material para a mãe fazer um
bolo.
Ofereço-lhe
dez reais.
Ele
recusa, quase indignado, dizendo que não está pedindo dinheiro para mim.
Explico-lhe que é uma gratificação, uma gorjeta pelo tempo dele que tomei
enquanto conversávamos.
Quer
me dar mais bombons. Recuso e insisto, ele meio relutante aceita.
Por fim, se despede. Estende-me
a mão para um aperto, cumprimento-o. Dou-lhe um abraço. Vejo-o afastar-se.
Enquanto
ele segue seu caminho, procuro esconder minhas lágrimas num lenço. Elas teimam
em cair.
Choro porque me sinto culpado, ele deveria
gostar de brincar, aliás ele deveria estar brincando e não vendendo. Eu choro,
pelos milhares de Wellintons.
Choro por tudo o que
ele tem direito e somos impotentes para lhe garantir. Nesta sociedade que hoje
reverbera ódio, enaltece a violência, embora afirme lutar contra ela,
criminaliza pobres. Wellinton vende seus bombons.
Num
momento em que as cloacas se abrem para intolerantes de todos os matizes, dos
racistas aos sexistas, dos elitistas aos fundamentalistas religiosos, o que nós
temos para oferecer ao Wellinton? Cadeia aos dezesseis anos? Mais presídios e menos escolas? Autos de
resistência?
De
minha parte, continuo travando o embate permanente contra as ideias retrógadas
que insistem em nos oferecer o obscurantismo como solução, esgrimindo como
armas a tolerância, a gentileza, a humildade e o respeito à dignidade da pessoa
humana. Persisto na busca de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, e
torço, para que a criança que não tem ódio de seus agressores, continue sendo
capaz de me perdoar.
Antes
de deixar a praça, ofereço os bombons comprados para duas menininhas que
brincam. Talvez amanhã, a vida seja mais doce...
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