quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Dorismar Coelho, aluno do 3º período do Curso de História, envia uma Crônica para o Blog do NEL

Wellinton não gosta de brincar!
                                                                                          
                                                                                                   Dorismar Coelho Couto
Aluno do 3º Período - História Noturno

Eu o conheci numa tarde de sexta-feira, em que, sentado num dos bancos da pracinha central aguardava o tempo passar, quando ele se aproximou e com voz firme e quase cantante ofereceu-me seus bombons:
̶  Boa tarde, senhor. Gostaria de adquirir deliciosos bombons caseiros, completamente recheados com brigadeiro e conservados em baixa temperatura para não derreterem?
A abordagem, técnica e quase engraçada, e por se tratar de um vendedor tão pequeno, foi mais do que eficiente.
Saquei da carteira e constatei que apenas possuía cédulas de valor mais alto. Antes que eu lamentasse, Wellinton, exímio vendedor, ofereceu-se para trocar o dinheiro na agência dos Correios, do outro lado da praça, caso eu não me incomodasse em esperar “alguns instantes”.
Entreguei-lhe o dinheiro. Ele depositou a recipiente onde acondicionava seus bombons ao meu lado, no banco da praça. Insisti pra que ele não o fizesse, que podia levar seus produtos:
̶  O Sr. confiou em mim e eu tenho que mostrar que não vou fugir com seu dinheiro.
Quando ele retornou comprei dois bombons e puxei conversa, interessado em saber mais sobre ele.
Ele ainda não fez dez anos e cursa o quarto ano numa escola pública de pequena cidade do interior das Minas Gerais e sempre apanha dos outros meninos quando tenta brincar.
Vende bombons ou outros doces desde os quatro anos, ajudando a mãe, vendedora de picolés, que por sinal já passara por nós, e nos observou à distância enquanto conversamos.
A mãe recomendou que ele se afastasse das crianças que lhe batiam. Que fugisse quando o provocassem. Como todos os coleguinhas o agrediam, se afastou de todos. Gosta de vender e sabe a importância de ajudar a mãe a “por coisas em casa”.
No início tinha “um pouco de raiva” de seus agressores, mas hoje ele os acha “uns bobos que não sabem de nada”.
Ele não gosta de brincar.
Ganha setenta e cinco centavos por bombom que vende por dois reais.
O seu sonho é ser o melhor vendedor da cidade (eu não tenho dúvida que ele já é).
Digo-lhe que com estudo e dedicação ele pode ser qualquer coisa que quiser.
Ele me olha fixamente e diz que tenho cara de escritor.
Conto-lhe que escrevo muito, mas sou advogado.
̶  Todo mundo que faz coisa errada tem que ser preso?
̶  O senhor já prendeu muita gente?
Procuro explicar que não prendo ninguém, minha tarefa é libertar quem é preso injustamente.
Indago-lhe sobre o pai, o que ele faz.
̶  Meu pai está no Rio de Janeiro e não faz nada. Não gosto de falar sobre isto.
Wellinton está emocionado, olhos cheios d’água.
O pai cumpre pena por tráfico de drogas, soube mais tarde por sua mãe.
Mudamos de assunto e ele diz que seria legal ser astronauta. Deixo que ele descreva como imagina conhecer novos planetas, “dirigir” uma nave espacial.
Ele me pede desculpas, mas tem que continuar suas vendas porque ainda tem que fazer pelo menos mais quatro reais de lucro para comprar material para a mãe fazer um bolo.
Ofereço-lhe dez reais.
Ele recusa, quase indignado, dizendo que não está pedindo dinheiro para mim. Explico-lhe que é uma gratificação, uma gorjeta pelo tempo dele que tomei enquanto conversávamos.
Quer me dar mais bombons. Recuso e insisto, ele meio relutante aceita.
Por fim, se despede. Estende-me a mão para um aperto, cumprimento-o. Dou-lhe um abraço. Vejo-o afastar-se.
Enquanto ele segue seu caminho, procuro esconder minhas lágrimas num lenço. Elas teimam em cair.
 Choro porque me sinto culpado, ele deveria gostar de brincar, aliás ele deveria estar brincando e não vendendo. Eu choro, pelos milhares de Wellintons.
Choro por tudo o que ele tem direito e somos impotentes para lhe garantir. Nesta sociedade que hoje reverbera ódio, enaltece a violência, embora afirme lutar contra ela, criminaliza pobres. Wellinton vende seus bombons.
Num momento em que as cloacas se abrem para intolerantes de todos os matizes, dos racistas aos sexistas, dos elitistas aos fundamentalistas religiosos, o que nós temos para oferecer ao Wellinton? Cadeia aos dezesseis anos?  Mais presídios e menos escolas? Autos de resistência?
De minha parte, continuo travando o embate permanente contra as ideias retrógadas que insistem em nos oferecer o obscurantismo como solução, esgrimindo como armas a tolerância, a gentileza, a humildade e o respeito à dignidade da pessoa humana. Persisto na busca de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, e torço, para que a criança que não tem ódio de seus agressores, continue sendo capaz de me perdoar.
Antes de deixar a praça, ofereço os bombons comprados para duas menininhas que brincam. Talvez amanhã, a vida seja mais doce...




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