sexta-feira, 28 de março de 2014

Alunas das FIC - em especial do Curso de Letras - são destaque na edição da Revista FEUC em FOCO de Março de 2014

Educação que abre novos caminhos e também os olhos


Conheça histórias de mulheres que transformaram suas vidas ao concretizar o desejo de ingressar na faculdade                                          
 Verônica ‘chutou o balde’ da opressão, deixou para trás um relacionamento em que não era valorizada e ingressou na faculdade para cursar Pedagogia e transformar sua vida. (Foto e arte: Gian Cornachini)
Verônica ‘chutou o balde’ da opressão, deixou para trás um relacionamento em que não era valorizada e ingressou na faculdade para cursar Pedagogia e transformar sua vida. (Foto e arte: Gian Cornachini)
Por Tania Neves
emfoco@feuc.br
“Esquece! Você acha que tem capacidade para ler seis livros em um semestre?”; “Estudar para quê, se já sabe o suficiente para pilotar um fogão?”. Frases desse tipo, ditas por companheiros ou outros familiares, fizeram mulheres como Verônica e Diva engolirem o choro e até duvidarem se tinham ou não o direito de sonhar com uma faculdade. Mas incentivos como “Pode se matricular, eu trabalho mais para você poder estudar” e “Vá em frente, você consegue!” impulsionaram guerreiras como Crisvânia e Maria de Fátima. E a elas se juntam Marina, Mônica, Ramayana, Luci e muitas outras alunas que passaram pelas salas de aula da FEUC ou estão neste momento cursando suas graduações e pós-graduações, a despeito de todas as dificuldades que a vida impõe. Mulheres para quem a entrada na faculdade representou ou está representando muito mais do que obter um diploma e uma (nova) profissão: uma oportunidade ver o mundo com outros olhos. Neste Mês da Mulher, a FEUC em Focotraz algumas dessas histórias marcantes.
Verônica Faustina Nogueira tem 41 anos e está no 5º período de Pedagogia. Lá atrás, quando começou seu 2º Grau, queria ter trilhado o caminho do Magistério, mas não pôde. Logo precisou encarar o trabalho (atuou como secretária e auxiliar administrativa), teve filhos, focou em seu sustento, e o sonho da Pedagogia foi ficando para trás. Tempos depois a mãe insistiu para que ela voltasse a estudar, ofereceu ajuda, mas seu companheiro na época – que tinha curso superior – só desestimulava. “Ele valorizava as pessoas com faculdade, mas dizia que isso não era para mim, só me jogava para baixo. Quando minha mãe morreu, me deu uma coisa e eu decidi correr atrás dos meus sonhos”, conta Verônica, que saiu de casa e entrou na briga: fez vestibular, usou as economias para começar a faculdade e em pouco tempo já estava trabalhando como professora em escola particular. Agora ela planeja a pós-graduação: “Tenho vaga reservada em Psicopedagogia!”.
“Chutar o balde” da situação de opressão que vivia, segundo Verônica, foi fundamental. Ela diz que o primeiro passo foi aprender a transformar um famoso ditado popular. “Ruim com ele, pior sem ele? Nada disso! Melhor sem ele”, afirma, completando com uma autocrítica: “Eu que deixei. Ninguém faz isso com a gente se a gente não deixa”.
Formada em Ciências Sociais pelas FIC em 2006, Marina Ribeiro também se deixou oprimir por muito tempo, antes de virar a mesa. Casou cedo, teve filhos, trabalhava como costureira e reproduzia modelos familiares de que, como mulher, tinha obrigação de cuidar dos filhos enquanto o companheiro podia se divertir com os amigos e fazer o que quisesse. “Deixar a fábrica onde eu costurava foi uma decisão difícil, pois era o sustento dos meus filhos, mas a opressão era grande, com horas extras obrigatórias e proibição de estudar”, conta Marina. Ela fez a faculdade graças a uma bolsa de estudos integral, e logo que iniciou o curso começou a trabalhar com jovens e mulheres, estagiando no Núcleo de Estudos Urbanos (NEURB).
Marina: com salário de pesquisadora do Ibase, alugou sua primeira casa, aos 40 anos. (Foto: Gian Cornachini)
Marina: com salário de pesquisadora do Ibase, alugou sua primeira casa, aos 40 anos. (Foto: Gian Cornachini)
Com a formação na FEUC, Marina se candidatou a um estágio no Ibase e se destacou na disputa com uma centena de candidatos. Hoje é pesquisadora do instituto, cursa mestrado na UniRio e acaba de se mudar da casa da mãe: “Minha primeira casa, aos 40 anos!”, comemora.
Mônica Teixeira na biblioteca: leitura tomou o lugar da televisão na vida da aluna. (Foto: Gian Cornachini)
Mônica Teixeira na biblioteca: leitura tomou o lugar da televisão na vida da aluna. (Foto: Gian Cornachini)
Mônica Teixeira Pinheiro de Oliveira, de 47 anos, interrompeu os estudos por volta dos 16, logo depois de se transferir para o turno da noite com o objetivo de trabalhar no comércio. O casamento, os filhos e a ascensão na empresa puseram a escola em segundo plano. Anos depois, com os meninos criados – hoje eles têm 26, 18 e 16 anos – ela retomou os estudos disposta a contribuir com o desenvolvimento do mais novo, que tinha problemas de aprendizagem. Escolheu Pedagogia, e se formou no fim do ano passado. O interessante é que a opção pela retomada dos estudos se deu no momento em que o marido, militar, propôs que ela parasse de trabalhar para ter mais tempo para si. “Eu pensei… ficar em casa? Quero tempo é para fazer algo realmente importante. Decidi estudar e ele me apoiou”.
Elogiadíssima por professores e admirada por colegas – “nunca faltei, chegava cedo e era tida como ‘caxias’” – Mônica fez Iniciação Científica nas FIC, contribuiu em pesquisas e já emendou numa pós-graduação em Psicopedagogia. “Depois dessa pós vou fazer outra, em Supervisão, e me candidatar para trabalhar com Orientação Educacional quando abrir concurso. A faculdade mudou minha vida, o modo de ver o mundo, o assunto das conversas. Eu já nem vejo quase TV, prefiro ocupar o tempo com boas leituras”.
Crisvânia trocou a máquina de costurapelos livros e hoje é professora, quase mestre. (Foto: Gian Cornachini)
Crisvânia trocou a máquina de costura pelos livros e hoje é professora, quase mestre. (Foto: Gian Cornachini)
Ler, ler e ler mais um pouco se tornou a rotina de Crisvânia dos Santos, de 39 anos, que no fim de 2011 se formou em Português-Espanhol nas FIC e nas próximas semanas estará defendendo a dissertação “Aquele abraço – Estudo dos demonstrativos em contextos de uso”, no mestrado em Estudos da Linguagem na PUC. Um caminho pavimentado com muito sacrifício, determinação e dedicação. Nascida numa família de nordestinos em que as mulheres se tornavam costureiras ou manicures, e os homens trabalhavam de pedreiro ou mecânico, ela cedo teve que abandonar a escola para ajudar a mãe nas costuras. Mas quando viu que a vida estava passando sem ter realizações, ousou tentar mudanças. “Meu marido disse: ‘volta a estudar que eu trabalho mais para segurar as pontas’. Fiz isso, consegui o Prouni, estudei muito, me formei, passei em concurso para dar aula no município e para o mestrado na PUC”, conta Crisvânia, entusiasmada porque seus ganhos agora permitem retribuir o apoio de Anderson: o marido reduzirá o trabalho na mecânica para cursar Matemática ou Engenharia a partir do segundo semestre.
Diva chega na FEUC para a aula, após longa jornada de trabalho e viagem de trem. (Foto: Gian Cornachini)
Diva chega na FEUC para a aula, após
longa jornada de trabalho e viagem de trem. (Foto: Gian Cornachini)
Em oposição total a apoio, o que Diva da Silva Carvalho teve por muito tempo foi o terror da frase sobre saber o suficiente para pilotar um fogão ecoando em sua mente. Mesmo depois de separada do marido e com os filhos criados – com seu salário de empregada doméstica – ela continuava sufocando o desejo de estudar e tinha pânico de escola, por ter introjetado que aquilo não era para ela. Tentava se realizar por meio dos filhos, dando-lhes as condições que não teve. Sua filha mais velha, Patrícia, que cursou o Normal e depois fez faculdade de Nutrição, foi quem um dia decidiu que ia “empurrá-la” para a frente. “Ela fez que nem mãe: me levou pela mão e me matriculou no supletivo. Cada etapa que eu terminava, ficava quietinha para ver se ela esquecia de mim, mas lá vinha ela: ‘agora é o segundo grau’; depois: ‘agora é a faculdade’”, conta Diva, que aos 53 anos cursa o 5º período de Geografia nas FIC e já se imagina lecionando daqui a algum tempo.
Diva trabalha há 20 anos como doméstica para uma família em Copacabana. Mora em Santa Margarida, acorda às 3h da madrugada para ir trabalhar, lê os textos acadêmicos no trem (quando consegue se sentar e não cair no sono), chega quase em cima da hora para as aulas noturnas na FEUC e não falta nunca. Admite que os 30 anos afastada da escola lhe trazem dificuldade nessa retomada, mas tem nos professores e em muitos colegas um apoio precioso. “Adoro meus professores, principalmente a Rose, a Alice, mas gosto de todos, eles me ajudam muito”, diz a aluna, cuja luta inspira os colegas: “Mais de uma vez já me disseram: ‘quando penso em desistir, lembro que a senhora acorda às 3h para trabalhar e nunca falta’. Vê lá se eu imaginava que um dia ia ser exemplo para alguém!”.
Já Maria de Fátima Alves Faustino Fróes, de 57 anos, que está no 3º período de Ciências Sociais, veio para a faculdade justamente com a intenção de se tornar um exemplo para sua família: duas filhas, quatro netos e uma bisneta, por enquanto. “Parei de estudar há 35 anos, matando aquele sonho de me formar, porque a vida não oferecia mesmo condições. Agora voltei porque estou vendo que é importante dar aos filhos e aos netos essa demonstração de que é preciso querer crescer e conquistar objetivos”, afirma Fátima, que sempre trabalhou como cabeleireira. Casada há 5 anos com Delci Gonçalves Fróes, de 73 anos, ela tem no marido o maior incentivador: “É uma tremenda esposa, mãe e avó maravilhosa. Eu digo a ela: ‘Mete a cara que você consegue’. E ela vai fundo, às vezes dá 3 horas da manhã e está lá estudando”, conta Delci, que passou a frequentar a Universidade Aberta à Terceira Idade (Unatic) para dividir o mesmo ambiente educacional com a mulher.
Maria de Fátima, entre Delci e Renata: tornando-se exemplo para os filhos e os netos. (Foto: Gian Cornachini)
Maria de Fátima, entre Delci e Renata: tornando-se exemplo para os filhos e os netos. (Foto: Gian Cornachini)
Roberta, a neta de 14 anos, é outra que apoia a nova vida de Fátima. Aluna do 9º ano do Fundamental e fazendo preparatório para o ensino técnico, ela outro dia perguntou se a avó conhecia “um tal de Marx”, sobre quem precisava ler. “Deu uma alegria enorme poder compartilhar com ela tudo o que já estudei sobre o filósofo, acho que meu entusiasmo a contagiou. É disso que falo quando digo que quero ser um exemplo”.
Luci Sá Freire terminou sua primeira graduação na FEUC (Português-Inglês) em 1997, fez pós em 2000, voltou em 2006 para cursar Espanhol e hoje, aos 48 anos, é mestre em Gestão e Educação e dá aula nas redes municipais de Itaguaí e Seropédica. Uma trajetória que só foi possível pelo empenho que demonstrou – e a ajuda que recebeu – nos primeiros anos na faculdade. Desempregada na época, vivendo de trabalhos manuais, Luci inovou para garantir que conseguiria pagar a mensalidade. “A cada dia ela trazia um pouquinho do dinheiro que ganhava e nos entregava”, contra Mônica de Araújo Torres, superintendente da FEUC: “A gente tinha uma caixa onde ia juntando, e no fim do mês contava e dava algum desconto nas vezes em que ela não alcançava o valor”.
Segundo Mônica, o empenho e a fibra de Luci se tornaram um exemplo na época, e até hoje ela é lembrada. A superintendente diz que a instituição se esforça para atender casos assim e ajudar como pode os alunos e alunas que verdadeiramente têm dificuldades de se manter no curso. “Todo final de ano a FEUC oferece algumas bolsas para os que têm renda realmente baixa. O setor de assistência social analisa os casos e damos a ajuda possível. Fora isso, facilitamos o acesso a quem se inscreve no FIES, permitindo que se matriculem sem pagar, até sair a resposta, além de parcelar mensalidades em atraso”, diz.
Outro tipo de ajuda é o oferecimento da infraestrutura da Brinquedoteca para as alunas e alunos que têm filhos pequenos e não poderiam estudar à noite por não ter com quem deixá-los. Ramayana Del Secchi Linhares, de 37 anos, que cursa Português-Literatura, é uma que aproveita esse conforto, levando às vezes dois ou três dos quatro filhos para passar algumas horas com a recreadora Isabella Rodrigues. “Meu marido se formou aqui, e eu lamentava não poder estudar também porque não tinha com quem deixar as crianças. Cada vez que ele chegava falando das aulas da Arlene eu pensava: ‘tenho que ir para essa faculdade!’. Com a Brinquedoteca, pude realizar isso. Sou extremamente grata à instituição e às meninas daqui, a Isabella e a que trabalhava antes. A FEUC se tornou nossa segunda casa”.
Ramayana com os filhos André (à esquerda), Amanda e Rafael, acompanhados da recreadora Isabella (à direita): deixar as crianças na Brinquedoteca durante a noite lhe permite realizar o sonho de cursar Letras e ter aula com a professora Arlene! (Foto: Gian Cornachini)
Ramayana com os filhos André (à esquerda), Amanda e Rafael, acompanhados da recreadora Isabella (à direita): deixar as crianças na Brinquedoteca durante a noite lhe permite realizar o sonho de cursar Letras e ter aula com a professora Arlene! (Foto: Gian Cornachini)
Para a professora Célia Neves, coordenadora de Ciências Sociais, há algo em comum nessas trajetórias femininas: a busca por alguma coisa que ficou faltando lá no começo da juventude, quando tiveram que se dedicar ao trabalho. “Apesar de todas as dificuldades, a convicção do que desejam faz com que elas avancem. E até se tornam lideranças nas turmas, criando um ambiente muito fraterno”. Rosilaine Silva, coordenadora de Geografia, vê na construção de novas sociabilidades algo importantíssimo: “Percebo que, para as mulheres trabalhadoras, estar no espaço acadêmico é muito mais difícil, porque elas continuam tendo as duplas e triplas jornadas lá fora. E ainda assim encaram com o maior encantamento”.
Se a possibilidade de exercer uma profissão mais qualificada é a consequência imediata da conquista de um diploma de nível superior, outros ganhos que vêm com a entrada na faculdade são igualmente importantes. “Minha visão de mundo mudou completamente. E isso transformou outras coisas a meu redor. Antes eu mandava meus filhos estudarem porque se diz que é preciso estudar e pronto; hoje eu sei explicar a eles por que é importante estudar”, revela Crisvânia, que atribui parte dessa transformação ao bom ambiente que encontrou na FEUC.


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